Dia da mulher para a mulher?
- Laura Hyppolito
- 5 de mar. de 2018
- 4 min de leitura
Além de atuar no contexto de atendimento particular também exerço atividades como psicóloga em uma unidade básica de saúde municipal, pelo SUS.
Eu estava neste final de semana preparando um programa pra uma ação da unidade de saúde onde trabalho pro Dia das Mulheres e foi então que alguns questionamentos e fatos começaram a surgir na minha mente.
Semanas antes, quando minha gerente me procurou para pedir que fizéssemos alguma ação para esta data, logo pensei que deveríamos abrir espaço e oferecer alguma ferramenta visando o fortalecimento interno das mulheres que atendemos. A unidade de saúde fica na periferia de uma cidade do interior de São Paulo e problemas sociais gritantes ocorrem ali, a violência um deles. Consequentemente vejo nos problemas sociais um criadouro de problemas psicológicos.
Assim, a primeira coisa que me veio à mente foi falar sobre relacionamentos abusivos e seu possível desdobramento, a violência doméstica. Desde que iniciei meu trabalho como psicóloga de um serviço público de saúde vejo como é presente e frequente relatos de meus pacientes sobre agressões físicas e verbais dentro das famílias. É algo quase que corriqueiro e a gente logo fica esperando que esses fatos estarão presentes naquelas histórias que se apresentam. São fatos que existem não apenas na relação marido-mulher como também na relação com vizinhos e na escola e atingem a família toda.
Realizando o acompanhamento de meus pacientes, observo que a questão da violência, não raras vezes, não são pontuais de um relacionamento atual. São repetições. São histórias que se repetem de geração em geração, como um ciclo aguardando para ser quebrado.
Frente a tudo isso, vejo gritante a necessidade que se faz de mudar esse script. Vejo a necessidade urgente de mostrar às mulheres sua força e seu poder de quebrar ciclos e não admitir qualquer tipo de opressão. E pra isso, não vejo ferramenta mais poderosa do que a transmissão de conhecimentos (sim, a educação), um momento de acolhimento e bom diálogo para falar de assuntos que não são conversados (muitas vezes devido à vergonha) ou que são tão naturalizados que não se atenta para sua dimensão.
Pensei então que, normalmente, o dia da mulher é tido e esperado como uma data na qual iremos receber uma gentileza, uma rosa. `Olha que graça esse estabelecimento nos presenteando com uma flor! Que gentil!`, `Puxa, ele me disse que sou linda!`. Ou então são oferecidos gratuitamente algum serviço pra levantar a autoestima da mulher naquele dia:um corte de cabelo, uma maquiagem. Sempre são realizadas e oferecidas algumas coisas para a mulher.
Foi aí, ao refletir sobre o significado desse dia, que eu comecei a pensar que não faz sentido serem realizadas ações, que mais parecem um agradinho, somente para as mulheres.
Em um resumo muito grande da história, a existência de um dia internacional da mulher é fruto de anos de luta e reivindicação de nossas antecedentes por igualdade de direitos sociais, econômicos e políticos aos homens.
Sempre pensei no dia da mulher como um dia de valorização do feminino, um dia político para ser lembrado todo ano, mas não pra ser comemorado. A necessidade de existir um dia INTERNACIONAL da mulher se coloca pelo simples motivo de que não somos valorizadas e respeitadas em todo o mundo.
O dia da mulher é uma data para aumentar a visibilidade dessa diferença, é um ato político em que se impõe o requerimento de condições de igualdade, é um lembrete para os homens para nosso reconhecimento e para que não nos deixemos ser oprimidas e para que lutemos por nós mesmas.
Sendo assim, me questionei por que deveríamos manter os homens de fora de nossas ações, se muitas vezes são eles os agentes de nossa opressão.
Refleti então sobre como elaborar ações que tenham como alvo os homens e que possam abordar com eles a visão que têm das mulheres e deles mesmos. Como possibilitar a eles a reflexão de sua própria história e de sua relação com o feminino? Eles próprios devem ter vivenciado a violência, assim como as mulheres, em sua infância e dentro de sua família pelos seus próprios pais.
Ainda não cheguei a uma resposta a essas perguntas. É um desafio que se colocou. Trazer os homens para o contexto de uma unidade de saúde é sempre um desafio. Contudo, logo procurei por minha gerente para que o convite ao dia das mulheres fosse frisado e estendido aos homens. Assim, no dia 08 de março deste ano optei por uma roda de conversa com as mulheres sobre a importância deste dia, relações de abuso e as formas de violência, com o objetivo de que elas possam identificar situações que estejam vivendo, refletir sobre as mesmas e possam criar saídas deste ciclo.
Talvez seja esperar muito que em apenas um encontro elas estejam empoderadas e fortalecidas o suficiente para se haverem com seus companheiros, que poderão responder com muita agressividade. Mas acredito que, se ao menos for possível que se perceba e desnaturalize a violência e o abuso, já é um passo adiante, é o primeiro de um caminho que pode ser diferente. É uma possibilidade para que busquem ajuda e não se sintam sozinhas.
Se você passa por alguma situação abusiva ou de violência e não consegue visualizar uma saída, busque uma rede de apoio; pode ser a amiga, a vizinha, o grupo da igreja, onde você se sentir mais à vontade e acolhida. Ou então recorra a um profissional. Você não precisa passar por isso sozinha.
O conhecimento e a troca nos fortalecem. Fortalecer uma à outra é sororidade. Sororidade é estarmos juntas e juntas temos mais força.
Acompanhe meu blog para mais textos sobre esse e outros assuntos! Espero por você! :)

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