top of page

Bullying escolar: uma peculiar forma de comunicação

  • Laura Hyppolito
  • 1 de jul. de 2018
  • 6 min de leitura

Segundo o dicionário, bullying é definido como uma "forma de violência que, sendo verbal ou física, acontece de modo repetitivo e persistente, tendo direcionamento contra um ou mais colegas, caracterizando-se por atingir os mais fracos de modo a intimidar, humilhar ou maltratar os que são alvos dessas agressões". Os estudiosos e a literatura têm definido o fenômeno como "a hostilidade de um aluno mais velho ou mais forte, ou grupo de alunos, intencionalmente e com frequência, dirigida a um mesmo aluno, podendo gerar diversas consequências psíquicas no que o sofre, desde uma angústia acentuada até o assassinato e o suicídio". (Crochik, 2012)

O termo tem sido levantado há alguns anos e ganhado divulgação nos grandes meios de comunicação, de forma que chama à atenção devido a frequência com que tem sido identificado. O nome, em inglês, para designar uma forma de violência presente e observada principalmente no meio escolar é entendido sob uma ampla gama de acontecimentos: desde ofensas verbais à agressões físicas e destruição de objetos. Entretanto, para que se caracterize o bullying é necessário que haja um comportamento intencional em ferir o outro de maneira física ou psicológica; no bullying está presente o desejo de agressão, que pode ser manifestada por bater, empurrar, tirar dinheiro, chantagear, ameaçar, chamar de apelidos pejorativos ou excluir; ações que ocorrem em grupos de iguais. (Martins e Almaro, 2012)

Ouve-se comentários de que o bullying ocorre desde anos atrás. Já ouvi relatos de que era como `uma brincadeira`, e penso que talvez por esta denominação e entendimento popular anterior houvesse o minimizar de sua importância e prejuízo para com aqueles que são vítimas do ato. É sempre bom lembrarmos que para que algo se caracterize como uma brincadeira este deve ser divertido e prazeroso para todos os envolvidos.

O bullying é um fenômeno existente não apenas no contexto escolar, é um problema de toda a sociedade, já que aponta para um sintoma de adoecimento social no sentido de ser resultado de formas adoecidas de organização e relacionamento entre seus pertencentes. Ademais, atua como fator gerador de sofrimento, causando prejuízos a longo prazo ao provocar danos graves ao psiquismo, desenvolvimento cognitivo, emocional e socioeducacional dos envolvidos.


Na ocorrência da violência dois fatores saltam aos olhos: o sofrimento da vítima e o comportamento agressivo do autor. A vítima pode manifestar inúmeros sintomas como: queda do rendimento escolar, recusa a ir à escola, isolamento, ansiedade, estresse, oscilação de humor, comportamentos de auto-mutilação, podendo desenvolver um quadro de adoecimento mental e, dependendo da gravidade e tempo em que o bullying ocorre, o suicídio pode ser buscado para dar fim ao sofrimento.

É frequente que as vítimas sejam encaminhadas para acompanhamento e tratamento psicológico, sendo este de importância para o cuidado com a auto-estima e enfrentamento das situações.

Entretanto, o cuidado ao agressor também se faz de extrema importância. De nada adianta tratar o adoecido se o fator adoecedor não é abordado.

Samanta Natalo, em seu texto Um olhar psicanalítico sobre o bullying, fala sobre a juridização escolar que assola toda a esfera social. Neste sentido são empregadas ações para a punição e criminalização de um ato e do agressor; tal medida é aplicada para coibir sua recorrência, contudo ao assim fazê-lo ficam-se ausentes o tratamento de todos os indivíduos e individualidades envolvidos na questão. Segundo a autora, a juridização do bullying trata de "legislar, estabelecer limites e especificações sobre um dado assunto que envolve um laço entre indivíduos". Podemos pensar que a ameaça colocada pela juridização do comportamento produz sua inibição, porém não transforma e modifica o sujeito envolvido, o que pode fazer com que, em situações nas quais esta restrição imposta não esteja presente, o bullying ou a violência voltem a ocorrer.

Tal esforço em procurar essas ações para coibir o bullying surge sem uma reflexão e abordagem de sua origem e causas, que se encontram também intrínsecas aos indivíduos envolvidos. Nesta linha, compreender o contexto em que ocorre a violência e o que leva um sujeito a se relacionar com o outro de forma violenta pode trazer à luz maneiras mais efetivos de se tratar a questão.

O sintoma social


A violência é uma preocupação social antiga e própria de uma sociedade conflitante e contraditória. A hierarquia presente nas instituições e na sociedade se encontra na gênese da violência. A organização hierárquica, que também está presente nas escolas, dispõe os indivíduos em superiores e inferiores, o que torna certas qualidades, habilidades e/ou condições mais valorizadas do que outras, fato que gera tensão entre os sujeitos e desperta diversos sentimentos, podendo levar ao ato violento como forma de eliminar esta tensão.

O pai da psicanálise, Sigmund Freud, coloca a violência como inerente ao ser humano, cita esta como uma tendência encontrada pelo homem para aliviar toda tensão existente em decorrência de conflitos entre o desejo do homem e a resistência encontrada à realização desses em seu contexto. Assim, para refrear a agressividade coloca-se a necessidade da ética e da moral através da educação, que se constitui então como instrumento para preparar o homem para a vida em sociedade. Contudo, como preencher este papel educador se as então responsáveis pela formação do sujeito: a sociedade e a própria instituição educacional, como está organizada hoje, são elas mesmas produtoras de violência? Como formar cidadãos pacíficos e empáticos se vivemos em uma cultura de competição e valorização do mais forte?



Agressor ou vítima?


Estudiosos, pesquisadores e psicoterapeutas observam que fatores da dinâmica do grupo familiar também influenciam o comportamento daquele que pratica bullying. É a família quem oferece os primeiros e contínuos ensinamentos da criança e do futuro adulto.

A violência doméstica presente em algumas famílias se configura como uma violenta e autoritária forma de relacionamento, na qual a hostilidade se faz maior do que afeto e, portanto, faz com que a agressividade se torne o meio de comunicação entre os pares sendo assim ensinada às crianças no dia-a-dia. Dessa forma, a criança leva para a escola esta maneira aprendida de se relacionar, encontrando lá a oportunidade de assumir o papel do agressor e explodir sua agressividade, com a qual não pôde aprender a lidar por não encontrar um ambiente favorável que a ensinasse a fazê-lo de forma diferente.


"os oprimidos, cedo ou tarde, vão lutar contra quem os fez menos. Nesse paralelo entre opressores e agressores, oprimidos e vítimas, revela-se uma mutável troca dos papeis instaurados na personalidade do agressor do Bullying, uma criança vítima de um poder abusivo em um ambiente familiar ou social torna-se, quando encontra sua oportunidade, o agente causador de dor ou humilhação". (Martins e Almaro, 2012)

O autoritarismo familiar é tão nocivo quanto a ausência de autoridade. Esta última coloca a criança a lidar sozinha com seus impulsos positivos e negativos, muitas vezes sem capacidades internas de administrá-los, tornando a presença do outro de fundamental importância para o seu desenvolvimento e sua saúde emocional. A ausência das figuras parentais não deve ser entendida como negligência ou condições encontradas apenas em famílias de condições econômicas precárias. Vemos hoje crianças abandonadas à seus próprios impulsos com os pais dentro de casa, porém não disponíveis a elas devido ao excesso de trabalho ou atenção voltada ao mundo virtual, por exemplo.

Podemos entender que a manifestação de agressividade em qualquer idade denuncia um sujeito que não aprendeu a conviver com seus impulsos destrutivos e encontra ainda a impossibilidade de viver socialmente prezando por valores como ética, moral, respeito e empatia.

Estudos têm apontado para a probabilidade de que um agressor de bullying se torne um adulto envolvido em atos delinquentes no futuro, ou seja, um adulto mais propenso a se envolver em crimes e, logo, constitua-se ele mesmo em mantenedor da violência social.

Sendo assim, o repensar o cuidado e abordagem do agressor do bullying se faz desafiador. Não é fácil nos relacionarmos com pessoas agressivas, ainda mais na proposta de possibilitar uma mudança de comportamento. Entretanto, a reflexão e proposição de ações de escuta, acolhimento e compreensão da questão e de todo o contexto pode prevenir e diminuir a incidência de atos agressivos.

Desta forma, cuidar das crianças é cuidar do futuro, cuidar dos agressores é diminuir a violência social presente e futura.

Não pretendo aqui eximir os agressores de responsabilidade por seus atos lesivos a alguém. Proponho apenas um olhar para o outro lado; para o lado daquele que é confrontador, hostil e, por isso mesmo, não visto. Através de seu comportamento desafiador muita informação é transmitida, porém de forma não assertiva e consequentemente não clara, forma esta diferente da qual estamos acostumados a ouvir. A agressão e destruição do outro pode estar denunciando a agressão e destruição vivenciadas pelas nossas crianças. Pela falta de repertório e desenvolvimento da comunicação verbal os pequenos podem estar querendo nos dizer sobre seu sofrimento e sobre os maus tratos e violência aos quais, enquanto sociedade, estamos subtendo a eles e a nós mesmos. Talvez sejamos nós quem precisa aprender a ouvir o que nosso futuro tem a nos dizer.




Referências Bibliográficas


https://www.dicio.com.br/bullying/


Crochik, J. L. Fatores psicológicos e sociais associados ao Bullying. Rev. psicol. polít. vol.12 no.24 São Paulo ago. 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000200003


Freire, A. N.; Aires, J. S. A contribuição da psicologia escolar na prevenção e no enfrentamento do Bullying. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 55-60. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pee/v16n1/06.pdf


Martins, N.V.; Almario, A. Bullying: uma perspectiva sobre o agressor. Revista da Universidade Ibirapuera - - Universidade Ibirapuera São Paulo, v. 4, p. 17-21, jul/dez 2012. Disponível em: http://revistaunib.com.br/vol4/42.pdf


Natalo, S.P. Um olhar psicanalítico sobre o bullying. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/pdf/lepsi/n9/a02n9.pdf


Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page