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Precisamos falar sobre o uso da internet

  • Laura Hyppolito
  • 20 de jul. de 2018
  • 5 min de leitura

Dias atrás a mãe de uma criança de 8 anos procurou por ajuda psicológica para sua filha, que não estava dormindo direito, chorava muito e se mostrava muito angustiada. Esse comportamento teve início após a menina receber um vídeo, durante a noite, de uma amiga virtual tentando suicídio.

A garota fazia uso das redes sociais e foi inserida em um chat em grupo no qual as adolescentes falavam de assuntos como morte, suicídio e até faziam bullying umas com as outras.



O caso me trouxe várias reflexões, entre elas a necessidade que tenho observado de haver discussões sobre como fazer uso saudável da internet e como educamos as crianças para lidar com a realidade virtual. Mas como educar as crianças para lidar com algo que até os adultos ainda estão conhecendo e se habituando sem saber como estabelecer uma relação saudável com seus smartphones e tablets? Precisamos falar sobre a internet, o uso que fazemos dela e seus impactos negativos.


A internet pode ser uma ferramenta riquíssima para a aquisição de conteúdos e conhecimentos que agreguem informação e valor ao nosso cotidiano, contudo, pode também se constituir em fonte de intenso sofrimento, exposição a riscos e acesso à conteúdos não tão bons assim.

Nas redes sociais expõe-se toda atividade realizada durante o dia, faz-se check-in nos lugares frequentados, aceita-se como amigos pessoas nunca antes vistas pessoalmente e que poderão ter acesso a todo tipo de informação cotidiana que se publicar. É possível até fazer um roteiro de atividades diárias e horários dos lugares frequentados pelo usuário. Um prato cheio na mão de alguém que não tenha boas intenções no mundo real.

Assim, é pela internet e redes sociais que usuários escancaram a porta de suas casas, vidas e intimidades, tornando públicas informações que antes eram privadas e restringidas aos mais próximos e de confiança. Não falamos com estranhos nas ruas, mas o fazemos no messenger. Parece haver a ilusão de que se está seguro, protegido por uma tela. Entretanto, o perigo pode estar logo ali. Ainda mais quando não se sabe ainda selecionar o que é bom do que não é, quem é amigo e confiável, de quem não é; como no caso das crianças.


Adriana Fóz psicopedagoga e especialista em neuropsicologia fala da importância de não deixar um aparelho eletrônico com acesso à internet com os filhos menores de 12 anos sem interferência dos responsáveis e disciplina de uso. Até os 12 anos é importante para a aprendizagem e desenvolvimento infantil o brincar e a interação com outras crianças e adultos.

É na infância que são aprendidas habilidades para lidar com autocontrole dos impulsos e interação social, bem como é neste período que é realizada intensa atividade e conexões neuronais, e isto se ocorre por meio da estimulação e exposição às brincadeiras e tarefas que envolvam os sentidos, atividades corporais e, logo, a psicomotricidade.

Um estudo da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, em Campinas (SP), concluiu que as crianças que usam aparelhos eletrônicos sem controle e não brincam, ou brincam pouco, no “mundo real” podem ter atraso no desenvolvimento.


O brincar, além de ser importante para o desenvolvimento cognitivo, o é também para o desenvolvimento afetivo e social. Na brincadeira e nas relações com outras crianças o pequeno aprende a elaborar suas emoções e vivências, lidar com frustrações, a negociar com o outro, lidar com seus sentimentos e, portanto, a se relacionar. Ademais, é na brincadeira que surge a oportunidade do criar e, assim, o desenvolvimento da criatividade, tão importante para resolução de conflitos, problemas e dificuldades. O contato social com os pais também é fundamental para a aquisição de habilidades sociais; através do diálogo, da orientação e do olho-no-olho é que o pequeno vai aprendendo sobre seus limites e seus sentimentos, além de ter nos pais o modelo de comportamento. Mas quem nunca presenciou uma família em lugares públicos e restaurantes oferecendo aos filhos pequenos um celular para que estes ficassem quietos durante a refeição? O celular é oferecido como meio de controle de comportamento, porém nesse ato é ensinado um modo de se comportar: quando for comer, assista um desenho no seu celular - pode ser uma das interpretações que a criança pode fazer. A hora da refeição em um local público ou privado seria ela mesma um rico momento para ensinar aos filhos qual o comportamento esperado deles naquele ambiente, como lidar com seus impulsos, como estabelecer um diálogo, preensão de talheres e postura à mesa e a percepção de outras pessoas ao redor. Um momento muito rico, mas que fica empobrecido por ser reduzido ao uso do celular e não ensinar e estimular nos pequenos habilidades sociais. Vemos crescer desta forma, uma geração que não sabe se relacionar com o outro e nem consigo próprios.


O uso da internet tem distanciado as famílias e seus membros. As pessoas têm trocado o relacionamento ao vivo, pelo relacionamento online. As relações na vida real parecem se dar como no mundo virtual: não se encerra uma conversa e despede-se do seu interlocutor, apenas vira-se as costas e vai-se embora, ou distrai-se com uma outra informação, como se faz no celular.

Se nas casas, seus integrantes não têm construído momentos de troca de intimidades, troca de experiências e, portanto, aprendizagem social, há uma defasagem no contato real, físico e emocional; as crianças parecem não aprender a interagir e se relacionar fora das telas, tornando-se indivíduos imaturos e com dificuldades emocionais significativas.

As famílias não convivem mais, coabitam o mesmo espaço, cada uma plugada em seu celular. Não se relaciona-se mais, conecta-se.

Conectar-se e desconectar-se é rápido e instantâneo, bem menos trabalhoso do que o estabelecimento e manutenção de um vínculo e relacionamento, que exige investimento, troca, diálogo, espera pelo outro. Pensando no exemplo do restaurante acima, é muito mais trabalhoso eu ensinar uma criança a se portar à mesa e estabelecer uma relação e diálogo com ela do que entregar-lhe um celular que irá distraí-la e mantê-la quieta.


A questão do uso e acesso livre das crianças às redes sociais e internet expõe-nas a perigos e potenciais situações traumáticas. Isso não significa que se deve proibir o uso, mas sim fazer desta situação uma oportunidade de aprendizagem, momento de contato e troca com os pequenos. Participar e procurar saber o que é do interesse deles, assistir junto, comentar e, se preciso, expor por quê algo não seria bom para eles naquele momento, porém num futuro próximo e com a maturidade isso se fará possível. É uma oportunidade para que eles aprendam a selecionar conteúdos, se proteger e assim desenvolver auto-estima.

O uso indiscriminado dos eletrônicos têm gerado efeitos de comprometimento social e emocional não somente nos pequenos, como nos adultos também. Suas consequências podem se tornar, entre outras questões, problemas de saúde significativos: alterações na postura, dores que aparecem no corpo, lesões por esforço repetitivo pelo digitar, sedentarismo, alterações de sono com aumento da irritabilidade devido má qualidade do descanso, fadiga ocular e ressecamento da conjuntiva e etc. No campo da saúde mental vemos ser discutido o surgimento de uma nova categoria diagnóstica: a dependência de internet.

Além de um possível novo diagnóstico, estudos falam sobre o uso contínuo do computador como possível estimulador ou corroborador de transtornos de ansiedade, depressão, distúrbios de comportamento, suicídio entre outros.

Como vemos, tais consequências geram prejuízos na rotina e qualidade dos relacionamentos, trabalho, produtividade, bem estar físico e mental.

Diante da possibilidade do surgimento de tantos impactos negativos em nossa vida, torna-se imperativo a discussão de tais mazelas para que possamos refletir sobre o assunto e estabelecer maneiras saudáveis de inserir os aparelhos eletrônicos e a internet em nosso cotidiano. É inegável o ganho e o desenvolvimento que o surgimento da rede nos trouxe, o problema, portanto, não reside em sua existência e sim no fato de priorizarmos e/ou termos como realidade o que é apenas virtual.



Referências bibliográficas

MARIANO, M.; SANTA-ROSA, E. J. OS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS DOS USOS DA INTERNET NO DOMICÍLIO. Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pesquisa/pibic/publicacoes/2011/pdf/psi/marilia_mariano.pdf


EISENSTEIN, E., ESTEFENON, S. GERAÇÃO DIGITAL: RISCOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. Volume 10 (supl. 2). Agosto/2011. Disponível em http://revista.hupe.uerj.br/detalhe_artigo.asp?id=105


FÓZ, A. A Geração Digital e os Smartphones E o dilema do uso do computador (do zero aos 9 anos). 2017. Disponível em: https://tutores.com.br/blog/a-geracao-digital-e-os-smartphones-e-o-dilema-do-uso-do-computador-do-zero-aos-9-anos

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