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Quando o mundo perde a cor

  • Laura Hyppolito
  • 30 de mar. de 2018
  • 7 min de leitura

Maria tinha uma vida agitada, trabalhava o dia todo, morava sozinha e ajudava nos cuidados da mãe, avó e alguns tios. Sempre muito ativa, gostava de ajudar a família e os amigos, que não eram muitos e isso nunca foi um problema, tinha alguns em quem confiava e com os quais adorava marcar uma saída pra dar risada, conversar e dançar. A correria do dia-a-dia e de suas tarefas parecia aumentar e Maria pensava que devido a isso percebia-se esquecendo alguns detalhes, como pagar uma conta, comprar alguns itens para casa, dar o recado ao chefe. Para garantir que não se esqueceria dos compromissos, comprou uma agenda e passou a anotar seus afazeres.

"Como o ano corre!", dizia ela, sentia-se mais cansada. "Talvez eu precise de umas horas a mais de sono", pensava. Então ia dormir mais cedo, porém ao despertar da hora só pensava que queria passar mais uns minutinhos na cama. Passou a chegar atrasada no trabalho, algo diferente em sua rotina, já que era muito responsável e preocupada com o bom andamento do serviço e dos colegas que trabalhavam com ela. Sentia como se as tarefas estivessem mais difíceis de fazer, como se as horas agora demorassem a passar. Os finais de semana em casa eram usados para dormir e repôr as energias que agora pareciam escassas. Maria recebia convites dos amigos para sair, mas passou a se desinteressar deles e justificava que estava tudo muito corrido e precisava de um descanso.

Sentia fome. "Puxa, mas que preguiça de fazer comida!", por vezes ignorava o roncar do estômago, por vezes o dia passava sem que tivesse sentido necessidade de comer. Maria agora não encontrava vontade de visitar a família, mas em alguns momentos o fazia, pois não queria estar sozinha em sua casa, contudo já não se sentia tão ativa e energética, havia momentos que parecia um esforço estar ali. Na presença de outros, conversava, sorria, fazia graça, gargalhava, mas de repente sentia vontade de ir embora.

O banho sempre foi um momento prazeroso para ela. E foi ali, embaixo do chuveiro, o lugar no qual tantas vezes pensava sobre o dia e que tantas outras encontrou soluções para algumas questões, como a lâmpada que se acende sobre a nossa cabeça; foi ali, num certo dia que, ao invés de um insight cognitivo instantâneo, o que se apresentou foi um nó na garganta que num soluço se transformou num transbordar de lágrimas tão abundante quanto a água que caía do chuveiro. Não sabia por que chorava. Só podia sentir um vazio... e a dor, que não era física, mas doía profundamente, como se algo tivesse sido tirado dela, mas o que?


Pedro era um adulto-jovem na casa dos 20 anos, que tinha acabado de realizar o sonho de tirar sua carteira de habilitação, trabalhava e estava agora cursando a faculdade. Tinha muitos amigos e era um rapaz bonito, bastante cobiçado pelas garotas, e pelos garotos também. Sempre muito responsável, preocupava-se demais com suas responsabilidades e com o futuro, mas ainda não sentia segurança quanto aos rumos que queria dar à sua vida, sentia-se inseguro e despreparado e passava alguns momentos pensando sobre isso, mas não gostava muito de falar de seus conflitos internos e o que lhe passava pela cabeça com ninguém. Carregava ainda sentimentos de rejeição e abandono por parte de seu pai, com o qual teve pouco contato desde que os pais se separaram quando tinha uns 9 anos. Pedro não gostava de pensar sobre isso e muito menos de sentir a falta dele.

Em um dia, no trabalho, enquanto conversava com seus colegas subitamente começou a sentir falta de ar, tremores nas mãos e nas pernas, tinha a sensação de que o coração lhe subiria pela boca, começou a suar frio e viu se apresentar em sua mente uma enxurrada de pensamentos e sensações que o levava a crer que estava sofrendo um infarto e iria morrer! Foi levado ao pronto socorro mais próximo e, após realizar os exames, constatou-se que não havia nenhuma alteração.

As crises passaram a ocorrer com alguma frequência, o que o levou a consultar um cardiologista, porém, novamente, nenhum problema detectado. Pedro passou a sentir medo e a se preocupar em ter novas crises, já não sentia muito ânimo, aos poucos decidiu deixar de frequentar a faculdade, pouco conversava com os amigos e a família, foi desanimando do futuro e dizia à sua mãe que sentia como se não houvesse motivo para estar ali, vivendo.


Rebeca tinha 10 anos, quando sua família precisou mudar de cidade, seu pai havia perdido o emprego e a família se viu obrigada a sair dali e buscar em outra região uma oportunidade emprego e fonte de renda para todos. Rebeca deixou os avós, primos, a escola, na qual estudava desde sempre, e as amigas. Na nova escola, conseguiu facilmente fazer novos amigos, conversava e brincava com todos, parecia estar lidando bem e gostando das novidades. Mas no final daquele ano começou a se envolver em conflitos com os colegas e a escola passou a apresentar queixas de comportamento e agressividade de Rebeca. Em casa, ela brincava com seus irmãos, porém, sem que os pais percebessem, deixou de ser tão criativa e usar a imaginação para propor brincadeiras para passar mais tempo no celular. E quando os irmãos a procuravam para brincar, Rebeca se irritava tendo ocorrido algumas vezes de agredi-los. A irritação de Rebeca alternava com momentos em que parecia chorar exageradamente por pequenas coisas, se mostrando ciumenta e implicante com a irmã. Os pais tentavam conversar com ela, colocavam de castigo e tentaram tudo que podiam imaginar, porém nada parecia fazer com que melhorasse.

É devagar, em meio ao acontecer cotidiano e quase que sem se dar conta que a depressão vai se fazendo presente. Pode levar algum tempo até que se perceba a nova companhia que limita e prejudica, que leva embora toda a energia e o prazer; o mundo parece não ter graça, não ter cor, não ter sentido. A depressão parece surgir do nada. Como foi que ela entrou? De onde surgiu? Quando é que isso acaba? Quando é que isso acaba? E parece que não acaba nunca.



A depressão é uma doença que atinge a todos: crianças, adolescentes, adultos, idosos de qualquer religião, não importa se rico ou pobre, se branco, preto ou amarelo. Ela não tem preferência, pode escolher qualquer um.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a depressão como a maior causa de adoecimento e invalidez em adolescentes ao redor do mundo e aponta para a incidência também em crianças, que não estão imune à doença. A OMS estima que 350 milhões de pessoas são afetas por este transtorno que pode levar à consequências graves como o suicídio.

Depressão não é frescura, não é falta de vontade, não é preguiça, não é falta de Deus no coração. Depressão é um problema de saúde e precisa ser tratado. É devido à falta de esclarecimento e estigmas associados a ela que muitas pessoas deixam de procurar ajuda e ter a possibilidade de viver a vida estando inteiro nela. A depressão incapacita e tira da pessoa sua expressão, sua alegria, seus movimentos, sua expansão e seu prazer, podemos pensar o estar em depressão como um viver cada dia apenas por ter um corpo concreto, porém desprovido de sentimentos e sensações, a vida resume-se a um existir e, na maioria das vezes, um existir na dor de não poder viver.


A vida acontece e com ela novos desafios e dificuldades, o viver e o prazer acontecem numa cadeia de superações e sensações de conquista. Nem toda tristeza e todo insucesso levam uma pessoa a deprimir, a tristeza faz parte da vida e deve ser bem vinda, pois também tem algo a nos ensinar. Porém alguns podem encontrar dificuldade maior e ficarem presos em situações nas quais não vêem saída, os esforços podem se mostrar inúteis e sentimentos de derrota surgem com intensidade. A depressão pode então ver espaço para nascer, é na interações de fatores psicológicos, sociais e biológicos que podemos encontrar sua origem, e isso se dá de um jeito diferente para cada um.

Existem também níveis de gravidade da depressão desde o mais leve, no qual as pessoas ao redor podem nem perceber o humor deprimido de alguém, ao moderado e grave, no qual pode-se incluir o isolamento total da pessoa, sintomas de alucinação visual e/ou auditiva, ideações suicidas e a própria conclusão do suicídio.


Há tratamento. A avaliação de um especialista é importante para a realização de diagnóstico e procedimento terapêutico adequado. O uso de medicação deve ser realizado com acompanhamento do médico psiquiatra e possibilitará a diminuição dos sintomas, fazendo com que o indivíduo possa retomar suas atividades diárias. O processo psicoterápico auxiliará na compreensão de fatores psicológicos relacionados ao quadro e no fortalecimento e desenvolvimento de ferramentas internas para superação dos conflitos presentes. Estudos apontam que a efetiva melhora do quadro se dá quando associados os tratamentos medicamentoso e psicológico. Ademais, a prática de exercícios físicos também colabora para a melhora dos sintomas.


É importante lembrar que existem outras doenças mentais tão incapacitantes quanto a depressão e que podem ter sintomatologia semelhante ao transtorno depressivo. Dessa forma, a consulta a um profissional para realização de diagnóstico correto e a realização de tratamento adequado para cada enfermidade é importante afim de promover a melhora da qualidade de vida e da experiência do viver de forma equilibrada e saudável, restabelecendo então a saúde mental, o prazer e o colorido do mundo.






Referências Bibliográficas


Associação Brasileira de Psiquiatria. Depressão na infância. Disponível em http://abp.org.br/portal/clippingsis/exibClipping/?clipping=8862, acesso em 29/03/18.

Dualibil, K., Silva, A. S. M.. Depressão: Critérios do DSM 5 e tratamento. Revista Brasileira de Clínica e Terapêutica Ago 14 V 40 N 1págs.: 27-32. Disponível em: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=5879. Acesso em 29/03/2018.


Moreno, D. H; Moreno, R. A; Soeiro-de-Souza, M. G. Transtorno depressivo ao longo da vida. In: Compêndio de Clinica Psiquiátrica. Editora Manole Ltda, 2012, p. 296-314.


Organização Pan-Americana de Saúde. Depressão é tema de campanha da OMS para o dia mundial da saúde de 2017. Disponível em: http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5321:depressao-e-tema-de-campanha-da-oms-para-o-dia-mundial-da-saude-de-2017&Itemid=839. Acesso em 29/03/2018.

RedePsi. Antidepressivos sem terapia não tem efeito, aponta pesquisa. Disponível em http://www.redepsi.com.br/2014/01/20/antidepressivos-sem-terapia-nao-tem-efeito-aponta-pesquisa/. Acesso em 29/03/2018.

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